CERN – a física de partículas não tem nacionalidade

 

Rosália Dias Lourenço
Arquivo de Ciência e Tecnologia da Fundação para a Ciência e a Tecnologia

 

A GÉNESE DO CERN

No fim dos anos 40, do século XX, um grupo de cientistas visionários considerou que o processo de unificação da Europa do pós-guerra precisava de uma infraestrutura de pesquisa em física que travasse a saída de cientistas, pois muitos deles tinham ido para a América do Norte durante a II Guerra Mundial. Decidiram, por isto, promover a criação de uma organização europeia dedicada à ciência, que divulgasse publicamente o resultado dos seus trabalhos e se abstivesse de toda e qualquer atividade com fins militares.

Esta foi a génese do CERN também designado, por vezes, Laboratório Europeu para a Física de Partículas porque este é o seu principal domínio de investigação e experimentação.

A primeira resolução da fundação de um Conselho Europeu para a Investigação Nuclear foi decidida em Paris, em dezembro de 1951, numa reunião intergovernamental da UNESCO. Dois meses mais tarde foi assinado um acordo para a criação de um conselho provisório. Este conselho provisório, criado em 1952, contou com representantes de vários estados europeus. Definiu a organização das formas de cooperação em pesquisa nuclear e elaborou o estudo dos planos de um laboratório internacional, com um programa de pesquisas de caráter científico dedicado às partículas das altas energias; decidiu que todos os programas e suas disposições administrativas, financeiras e outras seriam aprovados por maioria de dois terços, nas suas reuniões anuais e nas quais também seriam aprovadas as admissões de outros estados, se houvesse unanimidade na decisão.

Com o compromisso de se abster de atividades com fins militares, foi também estabelecido que este conselho asseguraria o funcionamento de um ou diversos laboratórios internacionais destinados às pesquisas sobre as partículas de alta energia, incluindo trabalhos no domínio dos raios cósmicos; a construção de um ou vários aceleradores de partículas e respetiva aparelhagem auxiliar, e instalações para a administração da organização desempenhar as suas outras funções; a organização e patrocínio da cooperação internacional em pesquisa nuclear, incluindo a cooperação fora dos laboratórios, com estudos teóricos no domínio da pesquisa nuclear, na partilha de informação entre cientistas de toda a informação que lhes permitisse aprofundar os conhecimentos e completar a sua formação profissional; a publicação e divulgação dos resultados dos trabalhos teóricos e experimentais dos laboratórios.

Em junho de 1953 foi aprovado o texto final da Convenção do CERN, com a assinatura dos doze estados-membros que o compunham. Neste documento ficou definida a missão, a organização estrutural do CERN e a contribuição financeira de cada estado-membro para o seu orçamento.

O CERN, oficialmente criado em 1954 e situado em Genebra, Suíça, sendo o maior laboratório de física de partículas do mundo os membros fundadores atribuíram a este centro “(…) a promoção e a colaboração entre Países Europeus na área da investigação fundamental no domínio da Física das Altas Energias (FAE), de modo a permitir à Europa a liderança nesse domínio. (…)”.

A Missão do CERN é compreender o Universo, através da investigação da estrutura fundamental da matéria que o compõe – do que é feito e como funciona – com a utilização dos maiores e mais complexos instrumentos científicos do mundo. No seu complexo, único, de aceleradores de partículas para investigação de ponta é realizada investigação de calibre mundial, em física de partículas, por cientistas de todo o mundo, que alargam as fronteiras da ciência e da tecnologia para o benefício comum.

Atualmente o Conselho do CERN, como autoridade máxima da organização, define as suas atividades nos domínios científico, técnico e administrativo; aprova os programas e os orçamentos; e, autoriza as despesas. Este conselho é apoiado pelo Comité de Diretrizes Científicas e pelo Comité de Finanças. O Diretor-geral, nomeado pelo Conselho, administra o CERN e dirige os seus departamentos.

O Comité das Diretrizes Científicas avalia o interesse científico das atividades propostas pelos cientistas e emite recomendações sobre o programa científico do CERN. Os seus membros são cientistas escolhidos pelo Comité, nomeados pelo Conselho pelas suas competências e não têm de ser nacionais dos estados-membros.

O Comité das Finanças reúne representantes das autoridades nacionais de cada estado-membro e trata das questões relativas às contribuições financeiras e à gestão do orçamento do CERN.

O CERN conta agora com vinte e três estados-membros – Alemanha, Áustria, Bélgica, Bulgária, Dinamarca, Eslováquia, Espanha, Finlândia, França, Grécia, Holanda, Hungria, Israel, Itália, Noruega, Polónia, Portugal, Reino Unido, República Checa, Roménia, Sérvia, Suécia e Suíça – que são representados por dois delegados oficiais no Conselho do CERN, um representa as autoridades do país e o outro os cientistas nacionais. Todos os estados financiam e participam das decisões que o Conselho procura que sejam consensuais e o mais próximo possível da unanimidade. A Croácia, a Índia, a Lituânia, o Paquistão, a Turquia e a Ucrânia têm estatuto de estado-membro associado. São membros observadores no Conselho do CERN a União Europeia, a UNESCO, a JINR (Instituto Central de Investigações Nucleares), o Japão, a Rússia e os Estados Unidos da América.

O conhecimento produzido no CERN é partilhado com os estados-membros através de fóruns que os Encarregados de Ligação com a Indústria promovem para troca de conhecimento nos domínios da ciência e da tecnologia. Os programas destinados a professores e estudantes também asseguram esta partilha, de forma autónoma, através de duas redes – a Rede de Comunicação da Física de Partículas na Europa e o Grupo Internacional de Comunicação ao Grande Público sobre a Física de Partículas.

O CERN NA ATUALIDADE

Para além do benefício científico e de formação avançada em cada país-membro, como membros de pleno direito do CERN, todos têm a possibilidade de obter benefícios. O CERN é considerado um mercado tecnológico extremamente competitivo e exigente entre os estados-membros que participam nos fornecimentos de bens e serviços em áreas diversas, como metalomecânica e mecânica de precisão, consultoria técnica e controlo de qualidade; eletrónica industrial, energia e engenharia de sistemas; tecnologias de informação e comunicação; software; e outras.

Apesar de ser uma organização europeia, as suas instalações e equipamentos são utilizados por equipas de cientistas do resto do mundo, através de acordos específicos. O CERN é o local de trabalho diário para aproximadamente 2.500 funcionários a tempo inteiro e para 12.200 cientistas e engenheiros visitantes.

Os cientistas que trabalham no CERN investigam a composição elementar da matéria, e as interações entre os seus componentes fundamentais, para o desenvolvimento da tecnologia, da ciência dos materiais, da informática, da supercondutividade e da geodesia de precisão.

A investigação da física de partículas exige níveis elevados de qualidade, o que faz do CERN um importante banco de ensaio em vários domínios da tecnologia. O trabalho dos seus cientistas consiste em provocar a aceleração de partículas a energias muito elevadas e fazê-las colidir contra alvos fixos, ou entre si, na procura de entendimento sobre as forças que atuam entre elas. Para estas investigações usam os diferentes tipos de aceleradores, lineares e circulares, existentes no CERN.

OS ACELERADORES DE PARTÍCULAS DO CERN

No CERN são utilizados os maiores e mais complexos instrumentos científicos para criar as condições necessárias à deteção e estudo dos constituintes básicos da matéria e da antimatéria, para chegar à demonstração das teorias fundamentais da física de partículas e à descoberta dos princípios elementares da criação do mundo tal como o conhecemos.

Para gerar essas condições, o CERN tem contado com um conjunto de aceleradores de partículas: o PS, sincrotrão de protões, que foi o primeiro acelerador circular do CERN; o ISR que foi o primeiro colisor de protões do mundo (de 1971 a 1984); o acelerador SPS, Super Sincrotrão de Protões (desde 1976); o LEP, colisor eletrão-positrão (de 1989 a 2000) que permitiu estudos de grande precisão nos 20 milhões de bosões Z; o LHC, Large Hadron Collider, que é o maior acelerador de partículas do mundo, um túnel em forma cilíndrica com dezenas de quilómetros de comprimento, instalado cem metros abaixo da superfície, no qual se estudam as colisões de partículas aceleradas a energias muito altas.

Os principais trabalhos de investigação do CERN são o desenvolvimento e a atualização permanente de um programa científico, complementar e diversificado, ao serviço da comunidade, com a utilização do seu acelerador de partículas único, no máximo do seu potencial durante a sua fase de alta luminosidade. O LHC acelera 2 feixes de partículas a altas energias, que irão colidir em 4 pontos dentro do acelerador, onde estão instalados detetores de partículas de dimensões colossais, para registar os resultados destas colisões.

O CERN está também envolvido em projetos realizados fora da Europa – na preparação de um projeto de acelerador de alta energia post-LHC com estudos técnicos e um programa R&D sobre os aceleradores AWAKE e outros; na contribuição para o debate científico; no investimento na pesquisa fundamental e elaboração de políticas baseadas em dados factuais; no reforço das ligações com a indústria para o intercâmbio de conhecimento; na formação de uma nova geração de cientistas e engenheiros; na sensibilização para as questões científicas no seio da sociedade.

A FORMAÇÃO DE CURTA DURAÇÃO NO CERN

Nos últimos cinquenta anos, muitas têm sido as Escolas de Verão do CERN, organizadas em mais de vinte países. Desde 1962 que o CERN organiza cursos de curta duração, para estudantes de pós-graduação e pesquisadores com poucos anos de experiência em física de partículas elementares, em computação, em engenharia ou em áreas afins.

Geralmente a duração dos cursos é de duas semanas, todos os anos durante o verão, de agosto a outubro, em universidades de diferentes países da Europa que recebem estudantes de todo o mundo para trabalharem na experimentação em física das altas energias, o que proporciona a jovens físicos a oportunidade de estudarem determinados tópicos em método experimental. Um deles é o processamento de dados, diretamente relacionado com a utilização de computadores – ciências computacionais, engenharia de computadores e matemática aplicada. O objetivo destas escolas assenta na convicção de que os físicos e os engenheiros que se dedicam ao processamento de dados e às ciências de computação devem partilhar conhecimento.

No trabalho experimental da física de altas energias é fundamental a utilização de computadores e aplicações de processamento de dados que geralmente incluem sistemas muito complexos e técnicas sofisticadas. São necessários desenvolvimentos para resposta empírica a problemas imediatos de registo e análise de tratamento de grandes quantidades de dados experimentais. Por outro lado, é de todo o interesse que estas escolas proporcionem aos jovens engenheiros e aos físicos das altas energias o estudo em conjunto das suas áreas de trabalho, que precisam uma da outra, e que desta parceria de investigação surjam novas ideias.

Desde 2007 que um Programa de Formação de Professores de Países de Língua Oficial Portuguesa conta com o apoio financeiro da Ciência Viva. Consiste numa semana de formação em Física Moderna nas instalações do CERN, com palestras de manhã e visitas aos laboratórios e experiências durante a tarde.

A ADESÃO DE PORTUGAL AO CERN

Em Portugal, só a partir de meados da década de 60 do século XX, Mecânica Quântica, Física Nuclear, Física do Estado Sólido, e outras, passaram a fazer parte dos planos curriculares dos cursos de Física das universidades portuguesas.

Em 1974 regressaram a Portugal os bolseiros, formados no estrangeiro, e os cientistas que tinham estado exilados por motivos políticos. Com este regresso, o corpo docente universitário foi reforçado e a participação portuguesa em ações de cooperação científica internacional também.

Os primeiros cursos superiores de Física das Partículas Elementares só foram criados em 1977 ainda que, graças à formação no estrangeiro, no início da década de 80 mais de metade dos físicos teóricos que trabalhavam nos centros do INIC dedicassem o seu trabalho à Física Nuclear e a Física de Partículas.

Foi no início da década de 70 que aconteceram os primeiros contactos oficiais entre Portugal e o CERN. O professor Veiga Simão, à data Ministro da Educação, com um grupo de professores universitários, tomou a iniciativa que marcou a alteração de um paradigma há muito existente em Portugal – a quase inexistência de cientistas nos domínios científicos e tecnológicos do CERN.

A Junta de Energia Nuclear, ao contrário das suas congéneres europeias, estava arredada dos progressos conseguidos desde os anos 50 na investigação nuclear e na investigação dos raios cósmicos, que precedeu a pesquisa em física de partículas com aceleradores. Foi com a colaboração do Instituto Nacional de Física Nuclear e Física de Partículas francês que se formou um núcleo de cientistas e técnicos portugueses com o intuito de criar um instituto de física de partículas em Portugal.

No final dos anos 70 a maioria dos físicos de altas energias portugueses trabalhavam em Lisboa no Instituto de Física Matemática, dependente do INIC, mas nos laboratórios da Universidade de Coimbra também já era feita investigação no campo da física de partículas por um grupo de investigadores de competência reconhecida. Estes trabalhos de investigação foram importantes, mas era necessário que deixassem de ser feitos de forma avulsa e passassem a integrar as experiências do CERN, com a possibilidade de recurso às facilidades técnicas e oficinais dos seus laboratórios.

Em 1981 foi estabelecido um acordo formal de colaboração entre o INIC, então presidido por Fernando Roldão Dias Agudo, e o CERN. Este acordo que marca a abertura do CERN aos cientistas portugueses na investigação da Física de Altas Energias ou Física das Partículas Elementares, na sua componente experimental associada ao desenvolvimento de instrumentação, eletrónica rápida, meios automáticos de controlo, aquisição e tratamento de dados, e também em ciência dos materiais, foi de uma importância que está documentada no vasto número de publicações científicas produzidas entre 1981 e 1984.

Também em 1981 se realizou em Portugal a Conferência Internacional de Física de Altas Energias, da Sociedade Europeia de Física, e em paralelo a exposição “De que são feitas as coisas” no Instituto Superior Técnico. Esta exposição foi organizada por José Mariano Gago e Conceição Abreu, com o contributo de outros físicos, professores e estudantes portugueses e, também, com a colaboração do CERN. Exposição sobre a presença da Ciência na vida do dia a dia, destinada ao grande público, teve grande impacte na sociedade portuguesa, muitos a visitaram e até os media lhe deram destaque de primeira página.

A referida conferência contou com a presença de dois prémios Nobel de Física, Richard Feynman e Abdul Salam. Foi uma iniciativa inédita em Portugal, decorrente do relacionamento institucional entre Portugal e o CERN. O INIC estabeleceu com o CERN um protocolo, mediado por José Mariano Gago, que garantia o financiamento equivalente a um investigador por ano, no CERN. Assim se conseguiu o início de uma presença regular de estudantes e investigadores portugueses, experimentais e teóricos, no CERN.

Em 1984 o ministro da Educação, José Augusto Seabra, visitou oficialmente o CERN. No final deste ano, por iniciativa de vários cientistas portugueses, a adesão ao CERN era um dossier discutido na JNICT e no INIC.

José Mariano Gago liderou, em poucos meses, o processo de adesão de Portugal no CERN. Com um plano de pagamento da contribuição financeira, na qualidade de estado-membro, diferido a dez anos, Portugal asseguraria o investimento do valor remanescente na criação de condições, científicas e industriais, que permitissem o pleno aproveitamento da adesão.

Em 1985, o secretário de estado da Ciência, Arantes e Oliveira, reafirmou o interesse estratégico da adesão de Portugal ao CERN e apoiou a iniciativa de José Mariano Gago de criar o Laboratório de Instrumentação e Física Experimental de Partículas (LIP – maio de 1986), constituído por investigadores de diversas proveniências – Instituto Superior Técnico, Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e Universidade de Coimbra – com massa crítica para assegurar a participação de Portugal nos trabalhos de investigação do CERN.

Foi Jaime Gama, Ministro dos Negócios Estrangeiros, assessorado por Mariano Gago, em articulação com a Missão Permanente de Portugal junto das Organizações Internacionais, com a INIC, com a JNICT, com o Ministro de Estado, Almeida Santos, e com o Ministério da Indústria que representou Portugal nas negociações de adesão ao CERN. O protocolo de adesão ao CERN, de 26 de abril de 1985, foi ratificado por Mário Soares, primeiro-ministro do IX Governo Constitucional.

Nas reuniões do Conselho do CERN de 22 de fevereiro e de 26 de abril de 1985, o Presidente do Conselho e o Diretor-Geral deram nota da evolução das negociações e solicitaram instruções para as condições jurídicas e financeiras desta adesão, cujo projeto de decisão foi apresentado em duas propostas – condições da aceitação de Portugal como Estado-Membro do CERN, a partir de janeiro de 1986, e contribuição financeira especial durante um período transitório de dez anos.

Portugal ficou autorizado a não transferir para o CERN, durante um período transitório de dez anos, uma fração da quota devida nos termos da convenção do CERN, tendo Portugal assumido o compromisso de constituir um Fundo de Gestão, alimentado pela diferença entre o que seria a contribuição plena de Portugal e a sua contribuição reduzida. Desta forma, esperava-se reforçar o dispositivo técnico e científico português para diminuir o desnível tecnológico, industrial e científico entre Portugal e os Países-Membros do CERN, com a formação de quadros científicos e técnicos e o incremento do investimento no sector de investigação científica.

No primeiro ano foi pago 10% do valor devido. Percentagem esta que aumentou, à razão de 10%, nos anos seguintes até se atingir os 100%. Esta redução da contribuição de Portugal permitiu a criação do “Fundo CERN” – Fundo de apoio à colaboração científica, técnica e industrial com condições especiais de assistência do CERN a laboratórios, centros de investigação e indústrias portuguesas, e em programas de formação no CERN de pessoal científico, técnico e industrial.

Durante o período transitório, a quota portuguesa anual entregue ao CERN era constituída por três parcelas – CERN (para despesas gerais da organização); CERN GEP (conta aberta na Divisão de Finanças do CERN em benefício da atividade dos grupos experimentais portugueses no CERN) e PIFAEI (investimento e despesas a realizar, em Portugal, de acordo com o Plano Integrador da Física de Altas Energias e Instrumentação).

O CERN entregou ao governo português a fração prevista para execução do Plano Integrador da Física de Altas Energias e Instrumentação (PIFAEI), sendo criado e gerido pelo governo português um fundo de desenvolvimento científico e tecnológico designado Fundo Portugal CERN com a contribuição do CERN e, eventualmente, outras contribuições. Competiu ao Fundo Portugal-CERN financiar a execução do PIFAEI, que tinha os seguintes objetivos gerais:

• Contribuir para o desenvolvimento do sector da Física de Altas Energias em Portugal, especialmente na sua componente experimental;

• participar no desenvolvimento das infraestruturas oficinais e técnicas das Universidades e Centros de Investigação portugueses, de forma a assegurar a sua modernização e capacidade de resposta no contexto de uma cooperação científica internacional entre Portugal e o CERN;

• facilitar o acesso das indústrias portuguesas ao CERN.

Este fundo foi administrado pela Comissão Nacional CERN, criada por despacho conjunto dos Ministros de Estado, dos Negócios Estrangeiros, da Educação, e da Indústria e Energia, publicado no Diário da República II série, nº. 140 de 21/06/1985. O Fundo CERN foi utilizado para o reforço da rede de cálculo científico nacional; das oficinas de apoio à investigação e desenvolvimento; da criação e apetrechamento de um laboratório de investigação em física de altas energias e instrumentação associada com capacidade de formação e prestação de serviços à indústria e às universidades em áreas de instrumentação e eletrónica associada; do apoio a ações de formação técnica no CERN destinados à indústria portuguesa, bem como a outras ações de transferência de tecnologia nas áreas da eletrónica rápida e dos microprocessadores, redes de cálculo, soldadura, lasers, geodesia, metrologia de precisão; e do apoio ao desenvolvimento de colaborações científicas com o CERN.

Também foi utilizado no apoio à criação da Fundação para o Desenvolvimento dos Meios Nacionais de Cálculo Científico – FCCN. Com dotações iniciais do fundo CERN e do INIC, foi criada com o estatuto de instituição privada sem fins lucrativos de que eram sócios a JNICT, o INIC, o LNEC e a totalidade das universidades portuguesas, representadas pelo Conselho de Reitores. Competia-lhe contribuir para o apetrechamento da comunidade científica nacional com os meios necessários a uma investigação avançada e competitiva – instrumento privilegiado para a modernização do equipamento científico nacional permitindo uma muito maior flexibilidade na aquisição e racionalização dos meios informáticos necessários e possibilitar à comunidade nacional de investigadores, o usufruto destas facilidades. A FCCN continua a constituir um instrumento privilegiado para a modernização do equipamento científico nacional.

As Condições Especiais de Adesão acordadas entre Portugal e o CERN foram objeto de protocolo. O Protocolo de Adesão foi assinado em Genebra, no dia 26 de abril de 1985, pelos responsáveis do CERN e pelo ministro Jaime Gama.1

O conselho dos Países-Membros do CERN aprovou por unanimidade a adesão de Portugal, nas condições negociadas, em 27 de junho de 1985. No mesmo dia, em Portugal, foi aprovado em Conselho de Ministros o diploma relativo à adesão de Portugal ao CERN. Referendado pelo Presidente da República, António Ramalho Eanes, a 19 de julho de 1985, foi publicado na I Série do Diário da República nº 184 – Decreto do Governo nº 30/85, de 12 de agosto.

A 16 de outubro de 1985 o Presidente da República, António Ramalho Eanes, outorgou a Carta de Confirmação e Adesão da Convenção para o Estabelecimento de uma Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear e respetivo Protocolo Financeiro.

A PRESENÇA PORTUGUESA NO CERN

Em setembro de 1996, Portugal e o CERN firmaram um protocolo de formação de recursos humanos com o objetivo de promover a formação avançada de jovens licenciados portugueses, através de bolsas de estágio especializado. No âmbito deste protocolo, foi a Agência de Inovação que até final de 2012 assegurou o programa de estágios, a seleção dos candidatos e o acompanhamento dos trabalhos desenvolvidos pelos bolseiros.

Um novo protocolo foi celebrado entre o CERN e a FCT, em dezembro de 2012, no qual foram transferidas para esta instituição todas as competências relativas ao Programa. Os estágios têm a duração mínima de um ano, com possibilidade de renovação por mais um, dando especial atenção ao projeto, ao enquadramento pedagógico e à futura inserção dos bolseiros em empresas portuguesas orientadas para a inovação. São atribuídos por domínios tecnológicos.

A participação do LIP nos projetos ATLAS e CMS foi proposta à FCT e aprovada pelo Ministro da Ciência e Tecnologia em 1995. No mesmo ano o CERN e a FCT acordaram um Memorandum de Entendimento no qual foram definidas as responsabilidades portuguesas no desenvolvimento e construção de detetores do CMS e do ATLAS. A participação de Portugal contribuiu significativamente para muitas das experiências efetuadas em todas as fases de execução dos trabalhos.

Desde 1990 que os grupos do LIP envolvidos nas experiências ATLAS e CMS têm submetido anualmente, primeiro à JNICT e depois à FCT, no âmbito do programa CERN, pedidos de financiamento para projetos de investigação desenvolvidos por físicos, engenheiros e estudantes do LIP e de outras instituições de ensino superior nacionais – Instituto Superior Técnico, Faculdade de Ciências de Lisboa, Faculdade de Ciências de Coimbra, Faculdade de Engenharia do Porto, Universidade do Minho, INESC Lisboa, INEGI Porto.

É de salientar a participação do LIP no programa europeu de desenvolvimento e operação do paradigma de computação GRID. O GRID foi desenvolvido para utilização dos recursos de computação avançada hierarquizados e distribuídos mundialmente, interligados pelas redes de comunicação de dados de muito ampla largura de banda, de forma inteiramente transparente para o utilizador final. Assim, a localização física do utilizador e a operação dos sistemas de cálculo e repositórios de dados pode operar-se em lugares espacialmente disjuntos, mesmo em continentes diferentes, fazendo cooperar centenas de milhar de sistemas de cálculo e partilhar volumes de dados da ordem dos Petabytes, sem que o utilizador conheça a localização destes recursos.

No contexto da iniciativa nacional GRID, o LIP foi responsável pelo nó central de computação GRID, o maior centro português de computação científica de disponibilização de recursos computacionais a comunidades de investigadores nacionais e internacionais de múltiplos domínios, incluindo as experiências do LHC. Para o estudo dos dados adquiridos nas experiências, Portugal participou ativamente na investigação e desenvolvimento de sistemas GRID, com um papel relevante nas colaborações internacionais DATAGRID, CROSSGRID e EGEE.

Portugal esteve também envolvido no projeto de computação avançada LHC Computing Grid – instalação e exploração da maior estrutura multinacional de computação distribuída – para exploração dos dados resultantes das experiências deste acelerador de partículas.

A participação portuguesa no Programa Experimental LHC, no período de 1992 a 2012, foi assegurada pelo LIP em coordenação e com o apoio do Ministério da Ciência e Tecnologia e da Fundação para a Ciência e a Tecnologia.

A construção do acelerador LHC foi aprovada em 1995 e os grupos do LIP participaram ativamente no design das experiências, descritas com grande detalhe nos Relatórios de Design Tecnológico aprovados em 1998-2000, e na sua construção, instalação e acompanhamento até 2008.

Portugal participou na construção do acelerador de partículas LHC com o fornecimento de detetores, de módulos eletrónicos avançados e de equipamentos de mecânica pesada e de precisão. A indústria portuguesa forneceu componentes importantes para o complexo de experiências CERN, nomeadamente para o acelerador de partículas, um túnel construído para o estudo das colisões de partículas aceleradas a muito altas energias. Os instrumentos que registam os fenómenos observados em consequência das colisões de partículas tiveram a participação dos cientistas portugueses – equipamento eletrónico, detetores, mecânica pesada e de precisão, software de aquisição e tratamento de dados.

Em 2017 o Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Manuel Heitor, assinou um protocolo para a extensão da cooperação científica e tecnológica para 2018-2030 com a diretora-geral do Conselho Europeu para a Investigação Nuclear. Este protocolo visa o alargamento da cooperação científica, entre Portugal e o CERN, no desenvolvimento de projetos na área da física experimental de altas energias.

A cerimónia da assinatura teve lugar em Genebra, na Suíça, num simpósio que assinalou os 25 anos de existência do maior e mais potente acelerador de partículas do mundo.

Portugal aderiu ao CERN há mais de 30 anos, ao longo dos quais foi possível realizar trabalhos inéditos de investigação no maior e mais potente acelerador de partículas do mundo com a participação de físicos e engenheiros portugueses.

A participação nacional no CERN tem sido também importante na formação dos engenheiros portugueses nos últimos 20 anos. Em 2018, cerca de 106 investigadores estavam a participar em algumas das experiências ou programas de investigação do CERN, tais como CMS e ATLAS, instaladas no LHC. Os investigadores em Portugal ligados ao CERN formam equipas no domínio da física de partículas e física nuclear, e representam várias entidades a nível nacional – Universidades de Aveiro, Coimbra, Lisboa, Porto e outras. A participação destas equipas nacionais, nas diversas experiências do CERN, tem gerado centenas de publicações internacionais, apresentações em conferências internacionais e nacionais, e várias teses de mestrado e doutoramento.

A adesão de Portugal ao CERN tem sido importante para a indústria portuguesa, que se tem especializado em várias áreas, devido aos projetos em que tem participado com o fornecimento de bens e serviços técnicos.

A FCT continua a ser responsável por projetos de financiamento e por estágios tecnológicos para engenheiros associados no CERN.

 

setembro de 2021

PDF para download.

 1. Assinatura do acordo de adesão de Portugal ao CERN, Genebra. Sentados da esquerda para a direita: o presidente do Conselho do CERN, o ministro Jaime Gama, o diretor-geral do CERN Herwig Schopper. De pé: Castro Brandão (MNE), Pinto Lemos (MNE), Favila Vieira (MNE), o diretor-jurídico do CERN e José Mariano Gago.

Fontes consultadas

Webgrafia

José Mariano Gago 1978-1986: o ensino da física, a divulgação cientifica, a adesão de Portugal ao CERN
Sítio CERN
Governos Anteriores – XXII Governo – República Portuguesa (portugal.gov.pt)
FCT — CERN
Portugal estende cooperação com o CERN até 2030 – XXI Governo – República Portuguesa

Documentos de arquivo (disponível para consulta no ACT)

Arquivo de Ciência e Tecnologia: Espólio Mariano Gago [PT/FCT/EMG]