Manuel José Nogueira Valadares

 

Fotografia de Maria Arménia CarrondoInvestigador na área de Física Atómica e Nuclear (1929 – 1968).
Professor na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (1929 – 1947).

Diretor do Centre de Spectrométrie Nucleaire et Spectrométrie de Masse du CNRS, em Orsay (1959 – 1968).


Manuel José Nogueira Valadares, nasceu em Lisboa a 26 de fevereiro de 1904 e veio a falecer em Paris a 31 de outubro de 1982, aos 78 anos de idade.

Notabiliza-se desde cedo no domínio da Física atómica e Nuclear, onde viria a ter um papel preponderante enquanto investigador.

Em 1926 licencia-se em Ciências Físico-Químicas pela Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL), e vem a exercer docência no Liceu Pedro Nunes, onde também havia sido aluno, como professor provisório, em 1927.

Em 1929 é contratado como assistente da Faculdade de Ciências de Lisboa, num ambiente de «grande entusiasmo», pois este havia sido o ano da criação da Junta de Educação Nacional (JEN), perspetivando uma dinamização da investigação no seio das Universidades. Recebeu nesse mesmo ano uma bolsa de estudo da recém-criada JEN, para se deslocar à Suíça, a Genebra, para realizar um estágio de cerca de oito meses no Radium Institut Suisse (RIS), estágio esse orientado por Eugene Wassmer.

Em 1930, acumulava o cargo de assistente da FCUL com o de assistente voluntário de física no Instituto Português para o Estudo do Cancro, que mais tarde veio a designar-se Instituto Português de Oncologia (IPO), à época dirigido pelo Professor Francisco Branco Gentil, que seguia a tendência decorrente da descoberta da radioatividade, desenvolvida posteriormente pelo casal Curie, evidenciando aplicações terapêuticas seguidas por vários institutos devido à possibilidade de tratamentos que se poderiam aplicar.

Manuel Valadares regressa a Lisboa em julho de 1930, após uma pequena passagem por Turim, no Centro Anti-Cancro daquela cidade. O estágio visou o estudo e conhecimento do funcionamento de um aparelho destinado a «colheita de emanação de rádio» e cuja publicação dos resultados desse estágio viria a acontecer em agosto de 1930 na revista do Instituto para o Estudo do Cancro, Arquivo de Patologia.

Entre 1930 e 1933, ruma a Paris, como bolseiro da JEN, para o Laboratoire Curie du Institut du Radium de Paris, onde vem a desenvolver o seu doutoramento, orientado por Marie Curie, e cujo tema foi «Contribuition à la spectographie par diffraction cristaline du rayonnement gamma» e cujo trabalho mereceu por parte do júri, a menção «três honorable». Ao escolher Paris, Manuel Valadares deixava as aplicações da radioatividade à medicina e dedicava-se agora à investigação em Física Nuclear.

De regresso a Portugal no final de 1933, quis implementar no Laboratório de Física da Universidade de Lisboa (LFUL) uma investigação experimental no domínio da «espectrografia de radiação X» e de física nuclear, porém, em 1934 encontraria grande dificuldade em desenvolver essa atividade de investigação, pois o LFUL não estava suficientemente equipado, nem tinha meios de financiamento para tal, tendo conseguido reunir algumas condições só em 1936, para iniciar então a investigação a que se tinha proposto em 1934.

O ano de 1936 foi um ano de consolidação do poder de Salazar, onde para além da promulgação da Constituição de 1933, dá-se também uma remodelação do Ministério da Instrução Pública com a criação da Junta Nacional de Educação (JNE) e do Instituto para a Alta Cultura (IAC). É neste ano que, por Decreto-Lei n.º 25317/1935 de 13 de maio, o regime de Salazar «manda aposentar e demitir funcionários ou empregados do estado, civis ou militares, que manifestem ou revelem oposição à Constituição de 1933», resultando em 1936, que todos os funcionários, incluindo bolseiros, tivessem sido obrigados a assinar uma declaração, sob compromisso de honra, de repúdio ao comunismo e de aceitação à Constituição. Manuel Valadares só assinaria mais tarde, em outubro de 1936. Mas é também neste ano que é criado o Núcleo de Matemática, Física e Química, do qual Valadares é também membro fundador e cujo objetivo era auxiliar na formação científica dos membros das Escolas Superiores.

Entre 1937 e 1938, Valadares foi bolseiro do IAC, com uma bolsa que visava a realização de um projeto com o intuito de examinar obras de arte através do recurso a raios X e a ser implementado no Museu de Arte Antiga. Esta experiência havia sido adquirida entre 1930 e 1931, enquanto estudante em Paris a frequentar o Institut Mainini do Museu do Louvre, instituição que foi pioneira na utilização de raios X para examinar obras de arte. Este conhecimento viria a ser aplicado no museu das Janelas Verdes em colaboração com o seu diretor, João Couto, projeto esse que pôs à disposição da arte instrumentos e conhecimento científico criando para o efeito um Laboratório que viria a dar origem ao Centro de Conservação e Restauro desse museu. O projeto foi muito bem acolhido, tendo sido publicados os resultados no Boletim da Academia Nacional de Belas Artes em 1938, e em 1939, Valadares recebe o prémio Artur Malheiros em resultado desta investigação.

Em 1940, enquanto bolseiro do IAC, desloca-se a Itália, ao Instituo Alessandro Volta, em Pavia, com o intuito de assistir à instalação de equipamento para acelerar partículas, sob orientação de Rita Brunetti, e depois ao Instituto di Sanitá Púlica de Roma, até abril de 1941, para estudar «o espectro gama e alfa mole dos produtos descendentes do radão».

1940 foi o ano de reafirmação do Estado Novo. Fez-se a Exposição do Mundo Português em comemoração da nacionalidade (1143) e da independência (1640) e organizou-se o Congresso do mundo português. No IAC são criados os Centros de Estudos nas Universidades, entre os quais o Centro de Estudos de Física que em 1941 Valadares se vem a juntar e onde desenvolve trabalhos no domínio da Física atómica e Nuclear, tendo-lhe sido atribuída, também, a regência da cadeira de Física, Química e Ciências Naturais (FQN) na FCUL, no ano letivo de 1941/42, destinada a estudantes de medicina.

Só em 1942 é que lhe é reconhecida a equivalência ao grau de doutor obtido em 1933 em Paris. Nesse mesmo ano, Ruy Gomes convida Manuel Valadares para ser professor catedrático da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, cujo convite declina, por entender, em consciência, que deveria dar continuidade ao seu trabalho de investigação e não como professor de Física. Porém, e fazendo jus à sua aptidão pedagógica, preparou um manual destinado aos alunos de licenciatura sobre física atómica e que viria a ser publicado em 1947. Ainda em 1942, foi cofundador da revista Portugaliae Physica, cujo primeiro fascículo viria a ser publicado em 1943. Esta publicação, em francês, surge durante a guerra, num momento em que os laboratórios europeus estavam sem atividade e cujo sucesso internacional lhe foi reconhecido por várias instituições que solicitaram o envio das publicações.

Mas ainda em 1943, publica na Revista da Faculdade de Ciências um artigo intitulado «O núcleo atómico e os espectros de riscas de raios X» cujo trabalho apresentou no concurso para professor extraordinário da FCUL, mas cujas provas nunca se chegaram a realizar.

Em 1946, juntamente com Armando Gibert, viria a contribuir para a fundação da Gazeta de Física.

Com o final da II Guerra Mundial em maio de 1945, novos ventos de esperança sopram sobre a Europa, fazendo crescer a esperança de que a democracia poderia ser uma realidade, pelo menos em países como Portugal. Em outubro desse ano a Assembleia Nacional é dissolvida e são marcadas eleições para 18 de novembro. A censura é suspensa e têm lugar reuniões políticas de oposição democrática e que são autorizadas. A primeira foi realizada no Centro Republicano Almirante Reis em Lisboa, onde surgiu o Movimento de Unidade Democrática (MUD) e do qual Manuel Valadares foi um dos participantes. Nesta tomada de posição, a par com outros professores universitários, passa a estar sob vigilância da polícia política por suspeita de oposição ao Estado Novo, tendo iniciado em 1946, a sua colaboração com o Partido Comunista Português e ao qual acaba por aderir em 1947.

A 15 de junho de 1947 é publicada uma Resolução do Conselho de Ministros, com base, e aplicando o Decreto de 1935, onde são demitidos 11 oficiais das forças armadas e 21 professores e investigadores, entre os quais se encontra Manuel Valadares. Nesse mesmo ano, e sabendo desta demissão, Irene Juliot-Curie convida-o para regressar a Paris como «charge de recherche» em Bellevue no «Laboratoire de L’ Aimant Permanent do Centre National de la Recherche Scientifique» (CNRS) dirigido à época por Salomon Rosenblum, tendo sido promovido no mesmo ano a «maître de recherche», e a «directeur de recherche» em 1957.

Com a morte de Rosenblum, em novembro de 1959, é convidado para assumir o lugar de diretor deste Laboratório, tendo permanecido em funções até 1968, data em que abandona o cargo a seu pedido.

Em 1966, a Academia de Ciências de Paris atribui-lhe o prémio La Caza como forma de reconhecimento pela investigação desenvolvida no domínio da espectrometria dos raios alfa, em colaboração com Salomon Rosenblum. Em 1967 era ainda diretor do agora Centre de Spectrométrie Nucleaire et de Spectrométrie de Masse du CNRS (anterior Laboratoire de L’Aimant Permanent), em Orsay. É nesta qualidade que profere uma comunicação na cerimónia de abertura do «Colloque de Physique Nucleaire» que decorreu entre 22 e 24 de março de 1967 em Bordéus. Em 1969, após a sua saída é nomeado «directeur honoraire» deste Instituto.

É também em 1969 que o Cônsul de Portugal em Paris lhe recusa a renovação dos passaportes, a si, à sua mulher e filho, afirmando que a renovação só seria autorizada em caso de viagens a Portugal. No seguimento deste acontecimento pede a naturalização francesa e obtém todo o apoio dos seus pares.

Manuel Valadares, mesmo no exílio mantém-se um cidadão ativo, sobretudo ligado às ideias de esquerda europeia com cariz pró-soviético, tendo participado em 1950, em Varsóvia, no II Congresso Mundial da Paz, onde foi decidida a criação do «Conselho Mundial da Paz» do qual foi membro.

Em 1978 foi eleito membro honorário da Sociedade Portuguesa de Física e em 1981 foi-lhe atribuído o grau de doutor honoris causa pela Universidade de Lisboa.

Em 1979, foi homenageado com o grau de Oficial da Ordem Militar de Santiago da Espada.

O seu nome é hoje recordado no «Anfiteatro Manuel Valadares» no Museu da Ciência no edifício da Escola Politécnica em Lisboa.

Não regressaria a Portugal, tendo falecido em Paris, em 1982, a 31 de outubro.


Fontes:

Diário de Lisboa Vida Científica Ciência (2023). Colloque de Physique Nucleaire. (PT/FCT/DLVCC/002/01), Arquivo de Ciência e Tecnologia.,Fundação para a Ciência e a Tecnologia.

Webgrafia:

Gaspar, Maria Júlia Neto (2008). A Investigação no Laboratório de Física da Universidade de Lisboa (1929-1947). [Dissertação de Mestrado, Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa]. Repositório da UL.

Manuel Valadares (2023, 23 abril). In Wikipédia, A Enciclopédia Livre.

Memória Comum: Memorial aos Presos e Perseguidos Políticos (1926-1974) [s.d.]. Manuel José Nogueira Valadares.

Salgueiro, Lídia (1978). Vida e obra de Manuel Valadares. Gazeta de Física, VI, 2-12.

Toponímia de Lisboa (2014, 26 fevereiro). A Rua do Pioneiro de Física Atómica e Nuclear no seu 110º aniversário.

 

 

Janeiro de 2024