Alfredo Bensaude, um professor intelectual e político

 

Rosália Dias Lourenço
Arquivo de Ciência e Tecnologia da Fundação para a Ciência e a Tecnologia

 

Nasceu em Ponta Delgada, em 1856, numa família de origem judaica. O pai, apesar de industrial, foi poeta e pertenceu ao círculo de escritores e poetas de Antero de Quental. A mãe era uma mulher instruída, o que à época era raro.

A família teve grande importância para Alfredo Bensaude e é o próprio que evidencia as aprendizagens da infância recebidas do pai e do avô paterno. Além de ter recebido uma educação baseada na moral da religião judaica e das suas tradições e rituais, o interesse pela arte e pela ciência foi despertado pelo pai. Em casa tinham uma fundição e uma serralharia onde as aulas teóricas tinham aplicação prática, no manuseamento dos materiais e na sua transformação.

Fonte: Biblioteca do IST

O pai terá tido em conta a opinião de Antero de Quental quando decidiu em que escolas Alfredo Bensaude faria os seus estudos superiores na Alemanha. Aos dezasseis anos deixou Ponta Delgada para ir estudar em Hanover, onde concluiu o curso de Engenheiro em 1879 na Escola de Minas de Clausthal. Em 1881 concluiu o doutoramento em Mineralogia na Universidade de Gotingen.

No último ano de estudante, ganhou a Medalha de Ouro da Universidade de Gottigen pelo trabalho que apresentou sobre o mineral perovskita em concurso público. O seu artigo foi publicado em 1882 pelo Ministério da Instrução Pública da Prússia.

Fonte: Biblioteca do IST

Quando chegou à Alemanha em 1872 tinha interesse por história natural e foi estudar para escolas particulares até 1874, ano em que entrou para a Escola Técnica Superior de Hanover. Concluídos os estudos, começou a carreira profissional em Espanha na indústria mineira, mas por pouco tempo, regressou a Lisboa ainda no ano de 1881 para trabalhar no serviço de minas do Ministério das Obras Públicas, Comércio, Indústria e Agricultura.

Em 1884 começou a dar aulas de Mineralogia e Geologia no Instituto Industrial e Comercial de Lisboa. Na componente prática das suas aulas faziam-se experiências no laboratório metalúrgico, visitas a minas e estabelecimentos metalúrgicos e missões em minas. Bensaude considerava crucial que os que recebiam formação, para virem a contribuir para o desenvolvimento do país, conhecessem o território, os seus recursos naturais e os fenómenos geológicos. Por isso, enquanto foi professor, muito enriquecidas e estudadas com instrumentos adequados foram as coleções de mineralogia, petrografia, paleontologia e estratigrafia.

Enquanto cientista fez investigação sobre Cristalóptica, Mineralogia e Sismologia, estudo de mineralizações de rádio e urânio, e ainda à mineralogia e geologia dos Açores. Foi pioneiro do estudo microscópico de meteoritos em Portugal, na análise microscópica de minerais opacos usando luz refletida.

Fonte: Biblioteca IST

Mas Alfredo Bensaude também se interessou por outras áreas e publicou estudos sobre Arqueologia pré-histórica (foi membro e colaborador da Sociedade Carlos Ribeiro e da sua Revista de Ciências Naturais e Sociais); e Geofísica, publicou em colaboração com Paul Choffat estudos sobre o sismo de 23 de abril de 1909, um dos maiores ocorridos em Portugal. Este trabalho de grande rigor serviu de base à criação de uma rede de sismógrafos e de estruturas de proteção civil.

Outro dos interesses de Bensaude foi a divulgação científica, que considerava indispensável para o desenvolvimento do país. Esteve ligado à criação de Sociedades e Associações responsáveis pela edição de revistas científicas especializadas. Além de artigos publicados nestas revistas, também publicou artigos noutras de referência na área das ciências exatas, tanto nacionais como internacionais.

Foi sócio correspondente da Academia das Ciências de Lisboa em 1893 e em 1921 foi-lhe conferida a categoria de académico emérito. Também foi membro titular da Sociedade Portuguesa de Ciências Naturais e membro fundador da Sociedade de Estudos Açorianos Afonso Chaves.

Apesar de se considerar acima de tudo professor, Alfredo Bensaude também se dedicou à política, na defesa de um ensino moderno da engenharia. Pedagogo preocupado com os meios e as condições materiais e humanas do sistema de ensino português, escreveu sobre esta problemática nas obras Vida de José Bensaude, O Instituto Superior Técnico e o desenvolvimento da indústria nacional, Notas histórico-pedagógicas sobre o Instituto Superior Técnico.

Em 1892 publicou uma proposta de Reforma do Ensino Tecnológico, mas só lhe foi dada a devida importância em 1911, quando Brito Camacho, à data Ministro do Fomento, o convidou para criar uma escola de Engenharia, que viria a ser o Instituto Superior Técnico (IST).

Para tal foi nomeado diretor do Instituto Industrial e Comercial de Lisboa (IICL) e, durante o pouco tempo que exerceu este cargo, fez um relatório do estado em que se encontrava o ensino técnico. Destacou as deficiências do ensino a nível pedagógico, a fraca preparação dos alunos decorrente dos métodos utilizados, mas também a degradação das instalações e a localização do instituto numa zona decadente de Lisboa. Apresentou uma alteração radical do ensino da Engenharia, com a criação de um novo modelo de ensino, cuja solução era o desdobramento do IICL em duas novas escolas – o Instituto Superior Técnico e o Instituto Superior do Comércio, atual ISEG.

Fonte: Biblioteca do IST

Enquanto diretor do IICL fez algumas reformas com base nos resultados dos inquéritos, situação muito inovadora, que fez aos antigos alunos sobre a qualidade do ensino do Curso Industrial Superior. Atribuía ao trabalho oficinal grande importância, este já existia no IICL e continuou a existir no IST.

Fonte: Núcleo de Arquivo do IST

Foi Diretor do IST desde a sua fundação, em 1911, até 1920. O IST foi um projeto concebido à imagem das escolas alemãs, nas quais Bensaude se tinha formado. Com autonomia pedagógica e administrativa, criou uma escola de prestígio para a qual contratou professores de excelência.

Com a publicação do Decreto nº 163 de 14 de julho de 1911, Bensaude ao assumir a direção do IST, pôde pôr em prática as suas ideias reformadoras em termos de autonomia na gestão do instituto – recrutar professores por ele escolhidos, decidir sobre as infraestruturas e os equipamentos disponíveis para o ensino e os modelos de aprendizagem. Sempre defendeu que o ensino das ciências só era possível com trabalhos práticos, de aplicação intensiva dos métodos da investigação científica e de aprendizagem profissional.

Nas instalações da Rua da Bela Vista foram formados os primeiros engenheiros que tiveram acesso a novos modelos de funcionamento e métodos de ensino técnico, o que fez do IST uma escola de referência nacional e internacional. O regime republicano considerava prioritário para o desenvolvimento do país o ensino industrial e tecnológico e a criação do IST visou a formação de engenheiros devidamente qualificados para desenvolver a Indústria.

Fonte: Espólio família Bensaude

A par dos interesses profissionais, manteve ao longo da sua vida o gosto pela cultura e pela arte, que lhe fora passado em criança pelo pai. Apaixonado por música, em particular pelo violino, ainda jovem estudante em Hanover começou a construir os seus instrumentos. Ao todo construiu sete violinos simétricos na curvatura dos tampos e no contorno da costilha, aos quais atribuiu nomes. Além de construtor, foi colecionador e restaurador de violinos, tendo para isto um atelier exclusivo.

Apesar dos múltiplos interesses que cultivou na vida pessoal e na vida profissional foi, acima de todos eles, o pedagogo persistentemente dedicado à alteração do processo educativo das engenharias em Portugal.

 

Fevereiro de 2023

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Bibliografia e Webgrafia

Comissão do Centenário do Instituto Superior Técnico (2010). A Génese do Técnico: Alfredo Bensaude. Althum.com.

Instituto Superior Técnico (2013). Alfredo Bensaude: vida e obra (1856 – 1941)

Instituto Superior Técnico (2017). História