Disponível em pdf: Registo de Autoridade Arquivística de Augusto Pires Celestino da Costa
Identificação
Tipo de entidade
Entidade singular
Forma (s) autorizada (s) do nome
Augusto Pires Celestino da Costa
Descrição
Datas de existência
Lisboa, 18 de abril de 1884 – idem, 27 de março de 1956
História
Investigador e cientista português, decisor público associado à criação e organização do primeiro organismo público de financiamento de ciência em Portugal, Augusto Celestino da Costa graduou-se em medicina pela Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa, em 1905, com uma tese sobre as glândulas supra-renais. Aluno de Marck Athias no Laboratório de Histologia do Hospital de Rilhafoles, «assistente livre» no Instituto Bacteriológico Câmara Pestana, entre 1907 e 1910, realizou diversos estágios no estrangeiro (Instituto Anátomo-Biológico de Berlim, sob orientação de Oscar Hertwig, entre 1906 e 1907, e na Bélgica, no laboratório de Albert Brachet). Em 1910, reingressa na Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa como «preparador de Histologia e Fisiologia» e pouco depois, a partir de 1911, como assistente da entretanto criada Faculdade de Medicina. Aqui funda o Instituto de Histologia e Embriologia com Pedro Roberto Chaves, Luís Simões Raposo e Alfredo Magalhães Ramalho. Datam desta época os primeiros trabalhos que publica na imprensa científica internacional (Buletin de l’Académie Nationale de Médecine de Paris, Compte-Rendus de l’Association des Anatomistes de que foi membro a par de Marck Athias) e nacional (Medicina Contemporânea, Boletim da Sociedade Portuguesa de Ciências Naturais entre outras). Celestino da Costa já então começava a ser conhecido pelas suas investigações em torno das secreções internas, da endocrinologia, mas igualmente pelo seu empenho na causa de regeneração cívica nacional através da educação e da cultura científica, tendo sido secretário da Comissão de Revisão do Ensino Universitário. Próximo de António Sérgio e do movimento da Seara Nova no entendimento do papel transformador da educação, da cultura, da ciência e da técnica, sócio e presidente da Sociedade de Estudos Pedagógicos, membro fundador da Liga de Acção Nacional e signatário do seu manifesto, em 1918, logo nesse ano publica «A universidade portuguesa e o problema da sua reforma», texto que resultara de duas conferências onde debatera as dificuldades da reforma de 1911 (criação das universidades de Lisboa e Porto), e apresentara um retrato crítico da Universidade portuguesa perante a investigação que se efetuava, para lembrar que «o objectivo primacial do ensino superior é a criação da sciência nova».
Sócio fundador da Sociedade Portuguesa de Ciências Naturais em 1907, Celestino da Costa veio entretanto a integrar a direção do Aquário Vasco da Gama, Estação de Biologia Marítima criada em 1898, em equipa liderada por Antero de Seabra. Pouco depois, entre 1916 e 1923, Celestino da Costa assume a direção desse estabelecimento científico, atividade que manterá a par da direção do Laboratório Central de Análises Clínicas dos Hospitais Civis de Lisboa (em 1919), de cujo Conselho Técnico faz parte também. Com Marck Athias e Abel Salazar funda, entretanto, os «Arquivos Portugueses de Ciências Biológicas» e, mais tarde, a Sociedade Portuguesa de Biologia (1920).
Celestino da Costa desempenhou um papel fundamental na inscrição da Ciência entre os negócios políticos através da Junta de Educação Nacional, de que foi sucessivamente vogal, vice-presidente e presidente, entre 1929 – ano da criação deste organismo – e 1936, ano em que assumiu a presidência do Instituto para a Alta Cultura que lhe sucedeu. À frente deste último Instituto, a ação de Celestino da Costa pautou-se pela definição e regulação da atividade de investigação científica como parte integrante de uma política pública de ciência, bem como pelo delineamento prático de um sistema de apoios (bolsas, subsídios) para a formação avançada de cientistas portugueses. Celestino da Costa propôs ainda regular as relações entre investigação científica e universidades, bem como as relações culturais internacionais que o Estado deveria promover como política de civilização, que além da ciência teria como ramos a cultura, as artes, a língua e as literaturas.
A par do seu desempenho como gestor de ciência continuou a investigar. Bolseiro da Fundação Rockefeller, realizou uma estadia no Laboratório de Embriologia da Universidade de Londres, em 1934, não deixando de participar profusamente na consolidação do associativismo científico nacional. Pela mesma época, foi secretário-geral da recém-criada Sociedade Anatómica Portuguesa (1933), mais tarde (1945-1950) seu presidente por aclamação, presidente da direção da Sociedade das Ciências Médicas de Lisboa (1946-1949) e presidente da Sociedade Portuguesa de Endocrinologia (1953), que ajudara a fundar com Iriarte Peixoto.
Os anos da II Grande Guerra são anos de crispação e desconfiança. Celestino da Costa é afastado da presidência do Instituto para a Alta Cultura e da direção da Faculdade de Medicina de Lisboa (1942), permanecendo à frente do serviço de Análises Clínicas dos Hospitais Civis de Lisboa. Projeta uma hipotética ida para os Estados Unidos da América que não concretiza.
No âmbito da investigação e do ensino foi particularmente importante a capacidade analítica de Celestino da Costa a par de um espírito de síntese bem testemunhado num catálogo com cerca de 390 títulos, maioritariamente artigos científicos dados à estampa em edições internacionais, nos quais sistematizou criticamente as principais aquisições científicas e técnicas do seu tempo: o conhecimento da estrutura e da função das secreções internas, a “descoberta” das hormonas (último quartel do século XIX), o isolamento da insulina (1922), a constituição do colesterol (1935), bem como a síntese de diversos esteróides (anos 40 do século XX). A sua obra privilegiou a Histologia, a Embriologia, a Endocrinologia sem esquecer a matriz biológica e sem deixar de evidenciar um interesse constante com as temáticas da história e da educação, a universitária e a médica em particular.
Observador e homem da imagem, Celestino da Costa foi também hábil desenhador, a ele ficando a dever-se muitos dos esquemas e diagramas com que ilustrou os seus trabalhos científicos. No capítulo da fotografia médica e das técnicas associadas à microscopia chegou mesmo a publicar um título, «A Microfotografia» (1940), e deu particular atenção aos métodos de preparação, coloração e fixação de tecidos ciente da sua importância para a validação das inferências biomédicas.
Celestino da Costa foi sensível às artes e à paisagem de Lisboa, cidade em que nasceu e a que dedicou alguns trabalhos como «Introduction à la connaissance de Lisbonne» (1933), «Lisboa, capital de Portugal» (1941), tendo presidido à Junta Directiva do Grupo dos Amigos de Lisboa, em 1947. Colaborador na Grande Enciclopédia Portuguesa-Brasileira, publicou entretanto obras de divulgação sobre «O corpo humano» pela Biblioteca Cosmos de Bento de Jesus Caraça, a par de livros técnicos especializados como o «Manual de Técnica Histológica» (1921), com Pedro Roberto Chaves, ou «Éléments d’embryologie» (1938) pela editora francesa Masson et Cie., obra de referência no seu género que teria uma versão castelhana em 1945 e ainda reedição francesa em 1948.
O prestígio de Celestino da Costa ficou bem plasmado nas diversas distinções honoríficas com que foi agraciado bem como pelos convites que recebeu para participar em encontros internacionais de ciências na Europa e na América do Sul. Data de 1950 a estadia que realizou no Brasil onde profere conferências (Instituto de Biofísica da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Sociedade Brasileira de Cancerologia), sendo convidado a ocupar-se da regência da disciplina de Histologia e Embriologia na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP). Apesar do seu reconhecimento internacional, não se livrou de ser incluído na lista de personalidades abrangidas pela Resolução do Conselho de Ministros de 18 de junho de 1947 que «desligava» ou «aposentava» compulsivamente do serviço público todos aqueles que se considerara serem opositores do regime.
Reintegrado, pouco depois professor jubilado da Faculdade de Medicina de Lisboa (FML), continuou a sua atividade como investigador e diretor do Instituto de Histologia e Embriologia (IHE). Faleceu em Lisboa no decurso da 43ª reunião da Association des Anatomistes a cujos trabalhos assistia na qualidade de presidente, em 27 de março de 1956.
Membro de diversas agremiações internacionais de ciência, entre as quais a Association des Anatomistes (de França), o Colégio Anatómico Brasileiro e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, a Zoological Society of London, a Académie Royale de Médecine de Belgique, de que fora eleito membro honorário correspondente estrangeiro em 1939, membro titular do Institut International d’Embryologie, foi distinguido com o grau de Doutor Honoris Causa pelas faculdades de medicina de São Paulo (Brasil), Bordéus, Toulouse e Montpellier. Celestino da Costa foi, igualmente, Conselheiro de honra do Consejo Superior de Investigaciones Científicas de Espanha, agraciado com o grau de Comendador da Légion d’Honneur de França, «membro correspondente estrangeiro» da Académie Nationale de Médecine de Paris, doutor Honoris Causa pela Faculdade de Medicina de Montpellier. Personalidade diligente e cosmopolita, bem relacionada nas redes internacionais de ciência foi, apesar das adversidades, um notável trabalhador, íntegro e inteiramente devotado à causa da ciência portuguesa.
Lugares
Lisboa
Funções, ocupações e atividades
Cientista, investigador, professor universitário, gestor público.
Contexto geral
Cobrindo um pouco mais que a primeira metade do século XX, a atividade cívica, científica e docente de Celestino da Costa teve como pano de fundo diversas conjunturas críticas que abalaram profundamente a Europa e Portugal: uma agitada transição da monarquia para a república, o eclodir da I Guerra Mundial, a que se seguiu um período conturbado de governos efémeros entrecortados por conflitos e ações violentas, a progressiva montagem do regime autoritário de António de Oliveira Salazar a partir de finais dos anos 20, culminando ainda com a II Grande Guerra e, após 1945, o restabelecimento interno de uma paz forçada após um brevíssimo momento de ilusão democrática. A extensão dos problemas da pobreza e do analfabetismo, a escassez de todos os géneros e a débil industrialização, uma pouco expressiva opinião pública, enfim vieram reforçar o status quo de um regime autoritário pertinaz. A censura e as perseguições que haviam tido um primeiro abatimento sobre cientistas e investigadores, em 1935, novamente descem sobre a universidade e na purga de 1947 atingem o próprio Celestino da Costa, já catedrático da Faculdade de Medicina de Lisboa, cinco anos depois de ter sido afastado da direção do Instituto para a Alta Cultura.
Celestino da Costa fora educado num ambiente favorável ao progressismo que a propaganda republicana reclamara como seu. Foi portanto apesar desses «revezes» e das circunstâncias da política interna portuguesa, um defensor empenhado na causa da educação pública, da ciência e da cultura. Esta última faceta consubstanciar-se-á no seu interesse reiterado pela modernização do ensino médico e pela consolidação nas universidades portuguesas de práticas pedagógicas baseadas nos modernos métodos laboratoriais de experimentação e observação direta, análise e descrição objetiva de factos, mais tarde ainda enunciado no seu projeto de criação de um «Instituto Nacional de Investigação Biológica» (1945) que devia reunir os três domínios fundamentais de especialização, vegetal, animal e humana.
A atividade de Celestino da Costa reflete e intervém pois diretamente num ciclo de ação institucional pautado pelo reconhecimento da ciência como setor carente de investimento público, sistemático, no quadro da primeira República, embora com limitações várias, desde logo, a organização frágil e a exígua dotação orçamental. Tal ciclo incorpora, por outro lado, a mudança de conjuntura forçada com a ditadura militar e a assunção de um modelo de Estado autoritário com reflexos sensíveis ao nível de um mais estreito controlo institucional dos organismos públicos, controlo que o próprio Celestino da Costa experimentou em vários momentos (1934, 1942, 1947). Nos anos finais da carreira, Celestino da Costa é um cientista consagrado e acarinhado pelas principais instituições europeias e americanas de ciência que entretanto, com o fim da guerra, abraçariam novo ciclo de euforia técnico-científica.
Relações com outras entidades
Nome da entidade
Junta de Educação Nacional
Tipo de relação
Direção
Datas da relação
1929-1936
Nome da entidade
Instituto para a Alta Cultura
Tipo de relação
Direção
Datas da relação
1936-1942
Nome da entidade
Faculdade de Medicina de Lisboa
Tipo de relação
Direção
Datas da relação
1935-1942
Nome da entidade
Faculdade de Medicina de Lisboa
Tipo de relação
Docência
Datas da relação
?-1947
Nome da entidade
Instituto de Histologia e Embriologia da Faculdade de Medicina de Lisboa
Tipo de relação
Direção e investigação
Datas da relação
1956
Controlo
Regras e/ou convenções
Conselho Internacional de Arquivos – ISAAR (CPF): «Norma Internacional de Registro de Autoridade Arquivística para Entidades Coletivas, Pessoas e Famílias»; Segunda Edição, disponível em: http://www.ica.org/sites/default/files/CBPS_Guidelines_ISAAR_Second-edition_PT.pdf
Estado do registo de autoridade
Finalizado
Nível de detalhe
Médio
Datas de criação, revisão ou eliminação
2017-02-06
Língua e escritas
PT (Português)
Fontes
«Notas biográficas de Augusto Pires Celestino da Costa» (nd.); documento autógrafo policopiado. Arquivo de Ciência e Tecnologia, Espólio Augusto Pires Celestino da Costa. Código de referência: PT/FCT/ACC/002/28.
AAVV; «Sessões de homenagem no centenário do professor Augusto Celestino da Costa na Sociedade das Ciências Médicas de Lisboa/na Faculdade de Medicina de Lisboa»; in Jornal da Sociedade das Ciências Médicas de Lisboa, tomo CXLIX, nº 6, junho de 1985.
Jaime Celestino da Costa (nd.): «A geração de 1911 – origem, realização e destino»; ex. policopiado disponível no Arquivo de Ciência e Tecnologia, Espólio José Francisco David Ferreira. Cota: B.56.008.02 (pasta 009953).
Isabel Amaral, David Ferreira, R.E. Pinto, A. Carneiro (2001): «A Escola de Histofisiologia de Augusto Celestino da Costa (1911-1956)», Actas do 1º Congresso Luso-Brasileiro de História da Ciência e da Técnica, pp. 615 – 629. Ex. policopiado disponível no Arquivo de Ciência e Tecnologia, Espólio José Francisco David Ferreira. Cota: B.56.008.02 (pasta 009953)
Notas de manutenção
Arquivo de Ciência e Tecnologia
Janeiro de 2018