Política e organização da ciência

O objetivo do espaço é contribuir para um melhor conhecimento da história das instituições e das políticas científicas, da organização da ciência, em Portugal, no decurso do século XX. A criação da Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica (JNICT), em 1967, resultou da crescente expansão da ciência e da tecnologia sendo que a vontade e a necessidade de organizar a ciência tinham já um passado histórico que remontava diretamente ao início do século XX.


História e memória da organização da ciência em Portugal

A história da Fundação  para a Ciência e a Tecnologia (FCT) reflete e confunde-se com a própria história da ciência e da tecnologia e da organização da ciência em Portugal. A par desse passado histórico, a FCT é herdeira e detentora de um significativo património, com larga predominância de acervo documental, que inclui, para além do seu próprio arquivo, o espólio da Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica (JNICT) (1967) e de outros organismos públicos e privados. Entende-se que, para lá da missão permanentemente renovada de promover ciência, a inexorabilidade histórica coloca a FCT, e as instituições que a precederam, decorridos mais de quarenta anos da criação da JNICT, como objeto de ciência.

A FCT tem desenvolvido várias iniciativas no sentido de garantir a preservação, organização e divulgação do seu arquivo histórico, valorizando o seu caráter verdadeiramente singular e único no que respeita ao conhecimento da história da organização e administração da ciência, das políticas científicas e, afinal, da própria história das ciências em Portugal. Perspetiva-se como um espaço de cultura e de memória, integrando outros contributos, nomeadamente acervos pessoais, que aqui encontram um lugar adequado à sua salvaguarda, completando, aumentando o património nacional que o Arquivo da FCT constitui.

Se a história da prática científica e do desenvolvimento da ciência em Portugal conta já com diversos contributos para diferentes períodos históricos, a história das instituições e das políticas científicas, da organização da ciência pelo poder central, entenda-se, é uma aproximação “político-institucional” à história da ciência que tem carecido de atenção historiográfica. Também se compreende que um quesito fundamental para o aprofundamento da história institucional reside, precisamente, em acautelar o património documental e a estreita cooperação entre historiadores e arquivistas.

Em particular, a Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica, foi criada em 11 de julho de 1967, sendo-lhe cometidas as “funções de planear, coordenar e fomentar a investigação científica e tecnológica no território nacional” (decreto-lei nº 47 791, de 11 de Julho de 1967).

 

Génese e organismos de organização da ciência em Portugal

Frustradas diversas tentativas, foi no contexto da Ditadura Militar (1928-1933) que se criou em Janeiro de 1929, a Junta de Educação Nacional (JEN), que prosseguia um programa vasto e ambicioso, que ia da ciência à cultura, passando ainda por intuitos de pedagogia nacional.

Criada no seio do Ministério da Instrução, tinha como principais atividades conceder bolsas, criar centros e atribuir subsídios. Viria a sofrer ampla organização em 1936, passando a designar-se Junta Nacional de Educação (JNE), organizada em várias secções, contendo uma 7.ª secção encarregue da cultura e da ciência, que se designou Instituto para a Alta Cultura (IAC), que herdava as funções da anterior JEN. Ainda que cerceado na sua autonomia, o IAC teve um papel importante no envio de bolseiros para o estrangeiro e na criação de centros de investigação, pese embora a natureza de condicionalismos que a estreiteza de visão e de meios e, sobretudo, as idiossincrasias autoritárias e redutoras da matriz política vigente.

Augusto Celestino da Costa, presidente da Junta de Educação Nacional (1934-1936) e do Instituto para a Alta Cultura (1936-1942), a discursar. Ao centro, Francisco de Paula Leite Pinto, que viria a ser o primeiro presidente da JNICT.

Em termos gerais, a II Guerra Mundial e o contexto de tensão e competição da Guerra Fria que lhe sucedeu tiveram um impacto decisivo na evolução da ciência, que passou a ser vista como valor subsidiário da economia (industrialização da ciência), assumindo um crescente valor político e estratégico.

Ao mesmo tempo reforça-se a tendência no sentido da afirmação do papel e da responsabilidade do poder central na área da investigação científica e do desenvolvimento tecnológico e a promoção de políticas nacionais para a investigação e educação científicas, suscitando, é claro, o debate e a reconfiguração institucional em matéria de organização da ciência.

Entretanto, nos Estados Unidos era elaborado o relatório Science, The Endless Frontier, por Vannevar Bush, engenheiro do MIT que se encontrava próximo do Presidente Roosevelt. Nesse relatório estabelecia-se, como princípio básico para a ação, a responsabilidade do governo na área da investigação científica e do desenvolvimento técnico. Defendia-se a promoção de uma política nacional para a investigação e educação científicas e lança-se a discussão em torno da criação de uma National Science Foundation (que viria a ser criada em 1952). Entre tudo, ficaria a apologia de uma política científica que defendesse os interesses das nações na nova conjuntura do pós-guerra – um quadro marcado pelas dinâmicas da ajuda Marshall ou pela atuação de organismos internacionais, como a OECE ou a Agência Europeia de Produtividade (AEP) –, e que, paulatinamente, foi chegando aos diversos países europeus.

Em Portugal, a seguir à Segunda Guerra também se discutiu o estado da investigação científica, propondo-se a “metamorfose” do Instituto para a Alta Cultura numa “Fundação Nacional de Ciência”. Contudo, e apesar desta ideia ambiciosa, o que se seguiu foi uma nova reestruturação do IAC, em Março de 1952, passando a designar-se Instituto de Alta Cultura, autonomizando-se, então, da Junta Nacional de Educação, mas mantendo o escopo de atuação no Ministério da Educação Nacional. Contemplava-se, ainda assim, a necessidade de montar uma estrutura de maior envergadura administrativa. No entanto, deixava-se só implicitamente ao IAC a questão da coordenação da investigação, e apenas no âmbito do Ministério da Educação. Já o tópico da projeção cultural do País parecia ganhar novo fôlego.

Apesar dos impasses, os anos 50 registaram iniciativas em alguns setores estratégicos, nomeadamente no que se refere à energia nuclear e às colónias africanas. Em 1952 foi criada, no IAC, uma Comissão Provisória de Estudos de Energia Nuclear, com grande protagonismo do Prof. Eng.º Francisco de Paula Leite Pinto (que já desde a década de 30 se encontrava ligado à JEN e ao IAC, como bolseiro, primeiro, e como Secretário e Vogal, depois) – núcleo do qual nasceria o projeto de criação da Junta de Energia Nuclear, em 1954. Foi também então que, seguindo uma linha de reforço da soberania nacional, ganhou envergadura o projeto da “ocupação científica” do Ultramar, cuja pedra decisiva havia já sido lançada com a reforma da anteriormente criada, em 1936, da Junta das Missões Geográficas e das Investigações Coloniais (agora se permitia designar apenas Junta das Investigações Coloniais). Foram também criados, inclusive, os Institutos de Investigação Científica de Angola e Moçambique.

No contexto externo surgiram entretanto novas reflexões quanto ao caminho a seguir. Os anos 60 trariam mesmo algum questionamento dos moldes da ação estatal para com a ciência, assinalando-se a necessidade de delimitar os interesses do Estado e da sociedade sobre a investigação conduzida. É comum ver-se estes anos 60 como os anos da entrada dos economistas no terreno das políticas científicas, assinalando o papel da ciência e da tecnologia no crescimento económico e mesmo no bem-estar social.

Colocam-se novos desafios, surgem novas preocupações, nomeadamente no campo da distribuição racional dos recursos, suscitando outras reflexões e definição de prioridades.

Foi então que, também no âmbito nacional, e depois de sucessivos anos de algum impasse, e talvez sob o impulso de personalidades de relevo, como o já referido Francisco de Paula Leite Pinto (que entretanto, entre 1955 e 1961, assumira a tutela da Educação Nacional), ou sob a influência crescente de circuitos internacionais de política científica, nomeadamente da OECE / OCDE (refira-se o projeto das Equipas-Piloto, que contemplou também Portugal) e da própria NATO, se começou a insinuar a ideia de que urgia organizar com maior detalhe e orientação a investigação científica nacional. Afirmava-se a ideia de uma maior coordenação, tanto por causa de imperativos de prestígio como por necessidade de potenciar os escassos meios e recursos existentes.

Foi então que, colocando-se em maior amplitude o tema da administração da ciência, se decidiu pela importância de definir uma “política científica nacional”.

Desejo a que corresponderia a criação da Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica, no seio da Presidência do Conselho, em 1967.

 

A Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica

A principal novidade da JNICT, de um ponto de vista da história das políticas científicas, é a assunção dessa necessidade de coordenação dos recursos nacionais, englobando os mais diversos sectores, da economia à educação.

A criação da JNICT, pode dizer-se, veio revelar o fracasso do IAC no que respeita à coordenação intersectorial, um pouco à semelhança do que acontecera com o Consejo Superior de Investigaciones Científicas, em Espanha, quando da criação da Comisión Asesora de Investigación Científica y Técnica, quase dez anos antes, em 1958.

Na prática, a preocupação com a modernização falhada do sistema económico fez surgir entre as elites nacionais algumas tentativas “subterrâneas” de formular uma solução para a escassa qualificação da mão-de-obra e para a fraca modernização do sector produtivo.

Compreende-se assim que no seu diploma fundador se salientem, para além da urgência de definir a “política científica nacional”, duas questões prévias e fundamentais: (i) a integração do novo organismo na Presidência do Conselho, afastando-o do IAC, com a justificação da sua ação se estender a outros setores, incluindo as províncias ultramarinas e (ii) o cometimento de funções de coordenação da investigação científica como tecnológica, nomeadamente relacionados com a defesa nacional e o desenvolvimento económico.

A este percurso e à natureza da JNICT está indelevelmente associada a ação de Leite Pinto, que viria a ser o seu primeiro presidente.

Desde logo a JNICT assumiu no âmbito da sua missão a participação, ou coordenação da participação, em reuniões internacionais (OTAN, OCDE, ONU, etc.). Importa, também, referir o estabelecimento de estruturas permanentes, sobretudo com a criação de várias comissões em áreas consideradas estratégicas: Comissão Permanente de Estudos do Espaço Exterior (1970); Comissão Permanente INVOTAN, doravante oficialmente integrada na JNICT (1970); Comissão Nacional do Ambiente (1971); Comissão Permanente para a Cooperação Científica e Técnica com as Comunidades Europeias e com a OCDE – COCEDE (1971). Entretanto, em 1972, a JNICT ‘aderia’ ao planeamento, assumindo a função de gabinete sectorial de planeamento para a área horizontal da ciência e tecnologia, área que nos planos económicos anteriores não aparecia autonomizada, envolvendo-se, portanto, nos trabalhos preparatórios do IV Plano de Fomento. Por fim, como principais iniciativas levadas a cabo pela JNICT, refira-se a sistematização das atividades de inventariação dos recursos em Ciência e Tecnologia – de facto, foi dada prioridade à inventariação sistemática de recursos nacionais e, em Junho de 1973, foram publicados os primeiros dados, relativos a 1971, sobre despesa e outros elementos para a caracterização e conhecimento do campo científico e técnico em Portugal.

Com a Revolução de 25 de Abril, houve que reacertar o destino da investigação científica evitando trilhos confusos e incertos. Apesar das boas intenções constitucionais, o reduzido orçamento para as despesas de I&D e as resistências sectoriais, a uma administração pública e coordenada da ciência, vieram marcar negativamente o período de 1974 a 1986, como de impasse, pródigo em iniciativas, mas, com frequência, de sentido oposto ou contraditório.

Em 1976, as competências e meios de execução correspondentes à investigação científica foram retiradas ao IAC e atribuídas ao Instituto Nacional de Investigação Científica(INIC), criado pelo decreto n.º 538/76, de 9 de Julho.

Notava-se que o IAC, apesar de reorganizado em 1973, se mostrava desadaptado às realidades presentes, não tendo conseguido dar resposta às solicitações que lhe eram dirigidas, quer no campo da investigação científica, quer no que se refere à difusão da língua e cultura portuguesas. Assim, e correspondendo às duas grandes finalidades apontadas, julgava-se conveniente a sua partição, por dois institutos, das funções até então atribuídas ao IAC. Portanto, em 1976, as competências e meios de execução correspondentes à investigação científica são atribuídos ao novo Instituto Nacional de Investigação Científica (INIC); e as competências e meios de execução correspondentes à difusão da língua e cultura portuguesas no estrangeiro viriam a ser atribuídas ao Instituto de Cultura Portuguesa (hoje Instituto Camões).

No contexto de uma mal disfarçada disputa de competências, a JNICT ficou na esfera do Ministério das Finanças e Planeamento, e o recém-criado Laboratório Nacional de Engenharia e Tecnologia Industrial (LNETI, antigamente o Instituto Nacional de Investigação Industrial), no Ministério da Indústria. Nos inícios dos anos 80, a JNICT introduziu o primeiro Plano Integrado de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (PIDCT), prevendo medidas claras de política científica destinadas à investigação científica, que assumia então como o seu principal instrumento de política científica. Aconteceu que, já em 1983, o Ministério da Indústria, através do LNETI, lançou o Plano Tecnológico Nacional (PTN), uma iniciativa que viria a causar conflitos institucionais com a política da JNICT.

Foi já no quadro da integração europeia que os mecanismos de política científica se reforçaram, alargando a diversidade das fontes e os instrumentos de financiamento, e intensificando ainda o trabalho em rede com parceiros externos.

De facto, é reconhecido que foi preciso esperar pela entrada de Portugal na Comunidade Europeia para assistir a um “real impulso dos investimentos públicos na investigação científica”.

Em 1986, a JNICT acabou por estabilizar no Ministério do Plano (posteriormente designado Ministério do Planeamento e da Administração do Território). Em 1987, na sequência das Jornadas Nacionais de Investigação Científica e Tecnológica, constituindo um assinalável contributo da comunidade da comunidade nacional de C&T para a modernização do País, a JNICT lançou o Programa Mobilizador de Ciência e Tecnologia (PMCT), cujo objetivo era a implementação de um conjunto de projetos dinamizadores de C&T, a nível nacional. Pouco mais tarde, em 1988, a Assembleia da República aprovou uma lei que propunha um modelo de C&T, a intitulada Lei sobre a Investigação Científica e do Desenvolvimento Tecnológico (Lei nº 91/88, de 13 de agosto). Nesse diploma foi levada a cabo uma importante reestruturação da JNICT, consolidando-se o seu papel de instituição financiadora e enquadrando os seus programas na elegibilidade explícita do Quadro Comunitário de Apoio (QCA), designadamente programas de fomento como o Programa CIENCIA (Criação de Infraestruturas Nacionais de Ciência, Investigação e Desenvolvimento) (1990-1993).

Sob o impulso de um pacote de medidas sustentado pelos dos fundos estruturais, a JNICT ganhou um protagonismo acima dos outros organismos. Não tardou a extinção do INIC, em 1992, sendo as suas principais atribuições transferidas para a JNICT. Ressalvava-se, porém, que a situação seria transitória, até à efetiva criação dos organismos resultantes da reestruturação atrás referida.

 

A Fundação para a Ciência e a Tecnologia

A criação do Ministério da Ciência e Tecnologia, em 1995, significou uma profunda remodelação institucional. A criação de um ministério próprio, há muitas décadas recomendação da OCDE, anunciava alterações. Com efeito, a breve prazo, em 1997, as atribuições da JNICT foram distribuídas por três instituições dependentes do MCT: a Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) que passava a ter funções de avaliação e financiamento, o Instituto de Cooperação Científica e Tecnológica Internacional (ICCTI), com atribuições na área da cooperação internacional; e o Observatório das Ciências e Tecnologias (OCT), com funções de observação, inquirição e análise.

A FCT é um instituto público de regime especial, nos termos da lei, integrado na administração indireta do Estado, dotado de autonomia administrativa e financeira e património próprio.

A Fundação para a Ciência e a Tecnologia, I.P. tem por missão o desenvolvimento, o financiamento e a avaliação de instituições, redes e infraestruturas, equipamentos científicos, programas, projetos e recursos humanos em todos os domínios da ciência e da tecnologia, bem como o desenvolvimento da cooperação científica e tecnológica internacional, a coordenação das políticas públicas de ciência e tecnologia, e ainda o desenvolvimento dos meios nacionais de computação científica, promovendo a instalação e utilização de meios e serviços avançados e a sua articulação em rede.

Em termos concretos, a atividade de promoção e financiamento da investigação científica e tecnológica da FCT consubstancia-se em cinco tipos de apoios diferentes: projetos; recursos humanos; instituições; equipamentos; e outros apoios (reuniões, publicações…).

“Ciência 2012: Portugal – Caminhos de Excelência em Ciência e Tecnologia”: encontro que prestou homenagem a investigadores a trabalhar em Portugal e que se destacaram pela conquista de prémios de mérito científico em concursos internacionais.

Outubro de 2014