Nos 25 anos de criação da Federação Portuguesa das Associações e Sociedades Científicas (FEPASC)

 

Ana Filipa Candeias
Arquivo de Ciência e Tecnologia da Fundação para a Ciência e a Tecnologia

 

No dia 20 de março celebram-se os 25 anos da criação da Federação Portuguesa das Associações e Sociedades Científicas (FEPASC), como organismo agremiador das sociedades e associações científicas portuguesas. Formalizado por escritura pública, em 1991, o ato oficial deu-lhe por sede provisória o Museu de Geologia e Mineralogia, depois Museu Nacional de História Natural, hoje MUHNAC – Museu Nacional de História Natural e da Ciência, na Rua da Escola Politécnica. Os objetivos da FEPASC, pessoa coletiva de direito privado, consagravam-se na «necessidade de criar condições para um mais intenso relacionamento entre associações e sociedades científicas», tendo em vista «reforçar a ligação destas com a sociedade civil e os órgãos de soberania». Tais objetivos enunciavam-se e ganhavam forma num momento considerado oportuno em que «a comunidade científica portuguesa, na sua tripla função de investigação, ensino e assessoria (…), procura[va] afirmar-se como parceiro social com um papel relevante na modernização da sociedade e na sua plena participação na Europa saída de Maastricht»[1].

Os órgãos sociais da nova agremiação foram constituídos da seguinte forma: Mário Ruivo (Sociedade Portuguesa de Ciências Naturais), presidente; Galopim de Carvalho (Sociedade Geológica de Portugal), João Bau (Associação Portuguesa de Recursos Hídricos), José Francisco David Ferreira (Sociedade Portuguesa de Microscopia Eletrónica e Biologia Celular) e Nelson Lourenço (Associação Portuguesa de Sociologia), vice-presidentes; José Guerreiro (Associação Portuguesa de Biólogos), secretário e Teresa Ferreira (Sociedade Portuguesa de Psicanálise), tesoureira. A Mesa da Assembleia Geral foi composta por Maria Eugénia Silva (presidente), José Firmino Mesquita e Alexandra Escudeiro e um Conselho Fiscal com J. Martins e Silva, João Pais e António Pedro Alves de Matos, este último, representante da OTC – Organização dos Trabalhadores Científicos. Foi igualmente estabelecida uma Comissão Instaladora, presidida por Galopim de Carvalho que foi responsável, com António Alves de Matos, pela coordenação editorial do «Boletim informativo da FEPASC», cujo número zero foi publicado em maio de 1992.

A iniciativa de criação de um organismo supradisciplinar de representação e defesa dos interesses científicos acontecia numa conjuntura favorável, porém, não era proposta inteiramente inédita. Com efeito, a primeira agremiação federativa de ciência do género fora a Associação Portuguesa para o Progresso das Ciências. Criada em 1917, teve vida difícil esta APPC com Estatutos aprovados apenas em 1940. Logo, eventualmente instrumentalizada pela administração do Estado Novo não sobreviveu às contingências da política, tendo chegado aos anos 70 esvaziada da sua expressão de órgão representativo da ciência e dos cientistas. Após a instauração do regime democrático, em 1974, num novo contexto de estímulo aos movimentos da sociedade civil, foi criada a OTC, Organização dos Trabalhadores Científicos (1975), cujos objetivos e missão se definiram essencialmente em torno da defesa de interesses socioprofissionais, transversais, embora com a tónica sobre o investigador enquanto obreiro especializado. Posteriormente há notícia de uma Associação para o Progresso da Investigação e Estudo das Ciências, constituída em 1981, cuja ação se desconhece. Em 1989, fora entretanto possível organizar um «1º Encontro Nacional das Associações e Sociedades Científicas» do qual sairiam as bases da futura Federação Portuguesa das Associações e Sociedades Científicas. Mário Ruivo presidira a esse 1º Encontro, realizado entre 16 e 17 de julho, e Galopim de Carvalho ficara com a responsabilidade da Comissão Organizadora, logo, encarregue da formalização do organismo para o que se convocou uma «Assembleia geral» em 3 de dezembro de 1991. Desta assembleia saíram os corpos dirigentes acima identificados, tendo sido definido um «plano da ação» para 1991-1994. A FEPASC conseguira entretanto reunir sob a sua égide 31 associações, sociedades e ligas de defesa e promoção disciplinar, com maioria de representatividade das ciências matemáticas, biomédicas, geofísicas e naturais[2].

Um dos acontecimentos mais interessantes em que a FEPASC foi chamada a pronunciar-se respeitou à reestruturação do Conselho Superior de Ciência e Tecnologia (CSCT), órgão de aconselhamento que fora criado em 1986. A referida reestruturação formalizara-se em janeiro de 1995, tendo a Federação pugnado pela inclusão nesse Conselho de «dois representantes da comunidade científica designados pelas instâncias próprias dessa comunidade», em face da situação em que ficavam excluídas associações e sociedades de ciência.

A FEPASC teve um importante papel na dinamização de encontros de ciência, ética e política científica, na abertura de um espaço de debate público em torno da atividade de investigação em Portugal. Evocaremos apenas alguns desses encontros que se iniciaram logo em 1992 com a organização de um «Encontro Nacional de bolseiros» a que se seguiu o colóquio «Comunidade científica e poder». Coordenado por Maria Eduarda Gonçalves, jurista e professora no ISCTE, este evento teve grande eco mediático, em parte aumentado pela presença de especialistas estrangeiros. Em 1994, um «1º Ciclo de conferências – Ciência, Sociedade e Cultura», em parceria com o Centro Nacional de Cultura, a que se seguiu novo colóquio intitulado «Ciência e Democracia», em 1995. Com a colaboração do CIES – Centro de Investigação e Estudos de Sociologia – do ISCTE, a FEPASC preparou a realização de um inquérito aos deputados a que chamou «A ciência na Assembleia da República» através do qual tentou aferir a sensibilidade dos representantes políticos à problemática da ciência e da investigação científica. Os resultados foram publicamente discutidos na ocasião, sinal de um tempo em que era preciso articular sinergias para garantir que a ciência portuguesa pudesse ocupar um lugar permanente nos negócios públicos e, simultaneamente, atingir uma dimensão institucional de âmbito nacional e internacional. Prova dessa aspiração de escala foi ainda mais tarde demonstrada pela organização da conferência internacional da EASST – European Association for the Study of Science and Technology, em 1998.

Em grande parte sustentada pelo influxo de personalidades individuais que lhe dedicaram tempo e energia, a FEPASC adormeceu a partir de 1998, embora ainda fosse possível acompanhar alguns movimentos em representações noutros organismos como o Conselho Nacional de Educação ou o Conselho Consultivo da Comissão Nacional da UNESCO, até 2006.

Fatores hipotéticos desse enfraquecimento poderão conjeturar-se, contrapesando-se a dificuldade de concertar interesses comuns a sociedades de ciência com dimensões, histórias, linguagens e capacidades de intervenção díspares[3]. A FEPASC procurou ultrapassar essa contingência e instituir uma visibilidade pública para as ciências no seu conjunto, missão que merece ser estudada, tendo em conta os problemas inerentes à medição da grandeza relativa da ciência portuguesa, à heterogeneidade (e descontinuidade) do mecenato científico e cultural, bem como as especificidades inerentes ao associativismo científico dependente como noutros setores (musical, artístico, literário) do voluntariado episódico de indivíduos dotados de energia e determinação próprias.

Enfim, uma constelação de problemas e questionamentos que, através da revisão do papel da FEPASC, se poderá criticamente apresentar também para restaurar o esforço daqueles que contribuíram para a consolidação da ciência no discurso público mediático como na condução dos negócios políticos.

O Arquivo de Ciência e Tecnologia da FCT conserva vários documentos fundamentais para a compreensão da atividade da Federação Portuguesa de Associações e Sociedades Científicas, da sua génese e do tempo forte da sua existência, entre 1989 e 1998. A documentação é abundante e, para além do processo relativo à organização do «1º Encontro Nacional de Associações e Sociedades Científicas» que serviu de mola impulsionadora, inclui programas e regulamentos, legislação, listas nominais, correspondência e brochuras, relatórios, atas de reuniões, pedidos de financiamento, coleções de Boletins, através dos quais é possível caracterizar circunstanciadamente a vida desta organização. Muitos destes documentos encontram-se preservados ora no Espólio José Francisco David Ferreira – que foi, como vimos, um dos vice-presidentes da FEPASC -, ora nos processos do Fundo de Apoio à Comunidade Científica (FACC), programa de financiamento da Junta Nacional para a Investigação Científica e Tecnológica (JNICT). Este acervo encontra-se em perfeito estado de conservação, podendo ser consultado por todos os que pretendam aprofundar a história da FEPASC.

 

Março, 2016

 

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[1] Citações extraídas do Editorial publicado nº 0 do Boletim Informativo da FEPASC, maio de 1992, pág. 1.

[2] É notória a escassa representação de agremiações de ciências sociais e humanidades, com exceção das Associações Portuguesas de Sociologia e Museologia ou das Sociedades de Psicanálise, Ciências da Educação e de Etologia. Também não esteve representada a mais antiga sociedade científica portuguesa em atividade, a Sociedade das Ciências Médicas de Lisboa. Ver: «Lista de sócios da FEPASC» (abril de 1992), no mesmo número do Boletim Informativo, pág. 6.

[3] Ver: Delicado, Ana (2012), SOCSCI – Estudo aprofundado de uma amostra de associações científicas; Projeto Sociedades Científicas na Ciência Contemporânea, Lisboa, ICS, pág. 88: «Um dos fatores que pode também explicar o fraco poder de lobby e de participação das associações científicas nas políticas públicas é a sua pulverização e a ausência de uma federação ou associação agregadora como a FEPASC tentou ser em tempos (…)».

 

Fontes consultadas

Bibliografia

Junqueira, Luís e outros (2014), Participação associativa dos investigadores científicos em Portugal; in Sociologia, Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XXVII, pág. 67-88.

Delicado, Ana e outros (2013), Associations and other groups in science: an historical and contemporary perspective; Cambridge Scholars Publishings. Pág. 117.

Gonçalves, Maria Eduarda (1996), Ciência e democracia; Lisboa, Bertrand Editora e FEPASC. (disponível para consulta na Biblioteca da FCT)

Gonçalves, Maria Eduarda e outros (1993), Comunidade Científica e poder; Lisboa, edições 70/FEPASC. (disponível para consulta na Biblioteca da FCT).

 

Documentos de arquivo (disponível para consulta no ACT)

FEPASC (1995), Ratificação do Conselho Superior de Ciência e Tecnologia (Assembleia da República, 18 de abril de 1995) – Posição da FEPASC.

Boletim Informativo da FEPASC nº 0 maio de 1992.

Estatutos da Federação Portuguesa das Associações e Sociedades Científicas.